9 de janeiro de 2009

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Uma velatura branca cobre a urze que estala sob os meus pés. A geada quebra-se e o gelo que derrete salpica-me as botas. O frio faz-me tremer, mas é bem-vindo. A condensação voluteia em frente ao meu nariz, misturando-se com a neblina ténue mas persistente. Grandes arbustos de silvas vermelhas como a terra escondem animais que não ouço nem vejo.
Não há céu, apenas uma cortina de nuvens espessas e cinzentas que flutua sobre a minha cabeça à distância de um braço esticado e de um salto pequeno... talvez... Mas não tento sequer alcançá-la, remexo as mãos dentro dos bolsos, geladas, a pele seca e gretada.
A temperatura baixa abafa o cheiro da terra, do mato rasteiro e de algumas plantas de chá selvagens, mas o cheiro fortemente gravado na minha memória permite-me identificar cada um deles, por mais ténue que seja o vestígio.

Recordo-me daquele dia.

Fiz uma festa à galinha branca, de penas limpas e macias, que a minha mãe segurava, mantendo-me afastada das patas cheias de terra e estrume. Cortou o pescoço à primeira galinha, branca também, e franzi o sobrolho perante os espasmos finais e a velocidade a que o vermelho alastrava.
Olhei para a que ainda vivia e pensei que não queria que lhe acontecesse o mesmo.
Não vi.
Quando voltei a vê-la, já se reduzia a uma confusão malcheirosa de carne, penas e um pescoço que acabava desajeitadamente num coto mole. A água quente para depenar ajudava a alastrar um cheiro enjoativo a carne. Já não sabia qual das galinhas era a primeira e a segunda, mas iriam ambas para a mesma panela.
Suspirei.
Comi a canja.
"Não é boa?"
Para mim era igual a qualquer outra canja, por isso não via a necessidade de termos morto as nossas ultimas galinhas. Ao menos a galinha do supermercado já vinha morta, sem cabeça e não me deixava com gosto a melancolia no fim.

Paro em frente ao lago. O frio não é suficiente para o gelar, mas alguns cristais formam-se junto às pedras nas bermas.
Aqui apanhei amoras, flores, bolotas, borboletas, gafanhotos e sapos. Sentei-me nas pedras e brinquei muito, sonhei mais e chorei. Agora despeço-me.

Não vimos abrir os seus botões de orquídeas que descobrimos entre a verdura, neste Natal.

2 comentários:

Sara disse...

Gostei e roubei, mas roubei bem...
Um dia escrevo um livro e convido-te!

Anónimo disse...

Muito bom Dee...uma pintura a nostalgia em toda a sua luz e sombra!
Beijinhos grandes